terça-feira, 3 de abril de 2012

Flauta

A evolução histórica da flauta até Boehm
por Sávio Araújo
Professor de Flauta DM/IA/UNICAMP
Introdução: a Flauta Primitiva
A flauta é um dos mais antigos instrumentos. Desde os tempos mais remotos,
encontramos relatos sobre homens que se utilizavam de ossos e outros objetos com formato de
tubo para produzir sons. Na era paleolítica, tais fatos tinham ligações com o simbolismo das
culturas e os fenomenos sonoros ligados à esses objetos tinham um significado místico. Como os
tambores, a flauta foi inventada para servir a rituais de magia. Era usada por curandeiros das
tribos como um instrumento de auxílio em suas comunicações com o mundo dos espíritos, para
curar doenças, cessar a chuva e assim por diante.
Em seus estágios iniciais, a flauta tinha várias formas, desde um pequeno apito feito a
partir de osso de avestruz, passando pelo tubo de bambu com um corte em forma de forquilha
(que mais tarde se transformaria na flauta doce) e ainda algumas fabricadas a partir de cascas de
frutas que, após secas, deixavam uma cavidade ôca em seu interior.
Com o passar do tempo, orifícios foram sendo adicionados às flautas e suas outras formas.
As civilizações Egípcias e Sumérias já entraram na história fazendo uso de instrumentos com três
ou quatro orifícios. No entanto, desde a era pré-histórica já se sabia de flautas fabricadas com
ossos e contendo vários orifícios perfurados.1
A flauta, portanto, herdou estas características mágicas. Em solos orquestrais como
L'Après-midi d'un Faune (Debussy) e Daphnis and Chloë (Ravel), não é difícil identificar o deus
Pan, recostado à uma árvore, flauteando seus encantos e inspirando a floresta com seu som
mágico.
© Copyright 1999 by Sávio Araújo. All rights reserved.
A evolução histórica da flauta até Boehm 2
Flautas Primitivas
Uma seleção de flautas de várias formas e materias: 1) apito de osso de avestruz; 2) apito de casca
de fruta; 3) shakuhachi (Japão); 4) flauta Africana; 5) par de flautas de ritual (Nova Guiné); 6) auloi
(pífaro duplo; A tenas); 7) “ap ito de falange”, osso de alce; 8) “flautas de Jiahu”, osso de passarinho
(China).



div>


Idade Média
Podemos considerar que a flauta teve d

uas fases distintas: a fase “alemã”, ou do sistema
antigo, e a fase da flauta moderna, a partir de Theobald Boehm. Na Renascença e mesmo antes,
havia diversos instrumentos que eram chamados de flautas. Alguns que eram tocados
verticalmente tornaram-se a moderna flauta doce, enquanto que os que eram tocados de lado
transformaram-se na flauta transversal. Eram, no entanto, construídos em tubos únicos de
madeira e continham orifícios que eram fechados com os dedos para produzir diferentes notas
(Figura 1).
Enquanto que antes de 1400 os instrumentistas somente acompanhavam os cantores,
participando em composições vocais como pequenas canções e, mais tarde, em madrigais e
motetes, a partir da Renascença tornaram-se emancipados da música vocal e tiveram suas próprias
formas de música instrumental. Ainda assim, a concepção dos instrumentos seguia os mesmos
moldes da música vocal, ou seja, cada tipo de instrumento era feito em diversos tamanhos,
basicamente correspondendo às partes de um conjunto vocal. Martin Agricola mostrou quatro
diferentes tipos de flautas, chamadas “Schweitzer Pfeiffen” (Figura 2), em sua obra Musica
Instrumentalis deudsch, publicada em 1529, que eram utilizados principalmente com
instrumentos de percussão como caixas e com finalidades militares ou marciais.





Com a chegada da segunda metade do século
XVI houve um aumento significativo no
interesse pelo timbre como uma entidade
musical independente, o que, por sua vez,
estimulou ainda mais o conceito de construção
dos instrumentos. Com a criação da música
instrumental, as qualidades tonais dos
A evolução histórica da flauta até Boehm 3
diferentes tipos de instrumentos e considerações como coloração do som em conjunto com a linha
melódica, harmonia e contraponto, tornaram-se exigências. A instrumentação tornou-se uma
parte importante da composição e houve o surgimento da orquestra.
O primeiro compositor a reconhecer a família de flautas transversais como instrumento de
suficiente valor musical, diferentemente da sua função militar, foi Michael Praetorius, em sua
obra Syntagma Musicum, de 1619-20 (Figura 3). A figura mostra três tamanhos diferentes de
flautas, chamadas Querflötten ou Querpfeiffen (Discante: A1-A3; Alto ou Tenor: D1-D3; Baixo: G-
G2),2 cada uma delas com uma tessitura natural de duas oitavas e meia, mais quatro notas,
chamadas de “falsete”, que somente eram obtidas por instrumentistas habilidosos.
Estes instrumentos foram os precursores da chamada “flauta alemã” do século XVII ao
século XIX. A flauta Alto ou Tenor era afinada em D, uma característica de todas as flautas antes
de Boehm; e a Baixo foi a primeira flauta a ser dividida em duas partes para se ajustar a afinação.
Por volta de 1636, Marin Mersenne identificou duas flautas transversais, chamadas Flûtes
Allemands, e que eram afinadas em D e em G. Apesar dessas flautas não possuírem chaves, o que
somente ocorreria cinqüenta anos mais tarde, Mersenne chamava a atenção para esse fato e
argumentava que o caminho natural para o desenvolvimento da flauta transversal deveria,
obrigatoriamente, ser o de transformá-la em um instrumento cromático. Esse objetivo, segundo
Mersenne, poderia ser atingido mediante a adição de um sistema de chaves. Indo além em sua
idéia, Mersenne esboçou um sistema que mostrava a forma das chaves e o sistema de molas.
Mersenne também falava sobre os materias utilizados na construção das flautas. Além de
alguns tipos de madeira mais resistentes (como boxwood3, cocuswood e grenadilha), flautas eram
também fabricadas em ébano, vidro e cristal. Na realidade, já um século antes das anotações de
Mersenne, a flauta de vidro era conhecida; no inventário de Henrique VIII, Rei da Inglaterra de
1509 a 1547, havia o registro de três flautas de vidro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário